A digitalização dos serviços da Previdência Social trouxe agilidade, mas também expôs a exclusão digital enfrentada por milhões de idosos no Brasil. Muitos, como a aposentada Elzanira Machado, de 62 anos, têm dificuldade para acessar o aplicativo Meu INSS, essencial para agendar atendimentos e revisar benefícios.
“Tem hora que trava tudo. Eu sempre preciso de alguém do lado para me explicar. Senão, não consigo fazer nada”, conta Elzanira. Desde 2020, o aplicativo Meu INSS exige autenticação pela conta gov.br. A medida integra os serviços públicos federais, mas tem sido um desafio para os mais velhos.
O Brasil possui cerca de 33 milhões de pessoas idosas. Dessas, mais de 23 milhões recebem aposentadoria, segundo dados do IBGE. Muitos nasceram antes da era digital e não se adaptaram às novas tecnologias.
Para a professora Adriane Nieglinski, da Universidade do Contestado, a digitalização acelerada desconsidera as limitações de parte da população. “A dificuldade começa no ato de ligar o aparelho. É um desafio que exige apoio familiar”, explica.
Ela e a advogada Nicoli Farias publicaram um estudo sobre o tema em 2024. A pesquisa surgiu da experiência de Nicoli ao estagiar no INSS, quando o atendimento ainda era espontâneo e presencial. “A insegurança era visível. Muitos idosos tinham medo de clicar e errar. O atendimento presencial oferecia mais confiança”, diz Nicoli.
Além das barreiras técnicas, o contexto socioeconômico pesa. Muitos não tiveram acesso a computadores na juventude. Hoje, dependem de filhos ou netos para tarefas básicas no celular. A digitalização ganhou destaque após a descoberta de um esquema ilegal de descontos em benefícios, entre 2019 e 2024. O INSS notificou 9 milhões de segurados pelo aplicativo, mas cerca de 6 milhões não responderam.
A dificuldade no acesso digital pode explicar esse silêncio. O Ministério da Previdência já recebeu 2,3 milhões de pedidos de devolução dos valores descontados indevidamente. Para ampliar o suporte, o governo criou pontos físicos de atendimento, como o Balcão Gov.br. Atualmente, são 50 no país. A meta é chegar a mil até dezembro de 2025.
Desde esta sexta-feira (30), os Correios também prestam auxílio presencial gratuito para quem recebeu descontos indevidos. As 5 mil agências têm prioridade no atendimento a aposentados e pensionistas. “Mesmo com a tecnologia, ainda precisamos do olho no olho. Nem tudo pode ser resolvido pelo celular”, defende Adriane.
A exclusão digital dos idosos será o tema da nova temporada da coluna Ajudante Digital, da Rádio Nacional. O programa estreia no dia 2 de junho.